quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Morre a major Elza, uma heroína brasileira

'Morre a major Elza, uma heroína brasileira'



Publicada em 09/12/2009 às 12h55m

Deixou-nos um ícone, quase um mito, uma vida inteira de dedicação, entusiasmo, ideais elevados a pautar uma carreira consagrada a memória da Força Expedicionária Brasileira, ao Exército, ao Brasil, que perde o brilho da sua inteligência, o calor da sua dedicação, o encanto da sua presença. A cada 7 de Setembro, a multidão diante do Pantheon de Caxias se surpreendia ao ver passar o Grupamento dos Ex- Combatentes. Uma figura marcante de mulher, fardada, logo despertava a atenção do público, desfilando embarcada numa das primeiras viaturas. O tempo passava mas não afetava seu brilho, nem fazia com que deixasse de manter, altaneira, a postura ereta com que saudava as autoridades no palanque, sempre uma das mais aplaudidas.



Num dia de 1944, partiu para o desconhecido em defesa da democracia e da liberdade, retornando com a FEB coberta de glórias. As lembranças da guerra nos remetem àquela época difícil, quando a então tenente enfermeira Elza Cansanção Medeiros, com suas colegas do Corpo de Saúde da FEB, em meio às vicissitudes dos combates, não media esforços nem sacrifícios para que a dor dos soldados que sofriam pudesse ser minorada.



Herdara dos pais a coragem e o desprendimento dos bravos das Alagoas, terra de gente forte e decidida, que deu ao Brasil nossos dois primeiros presidentes: marechal Deodoro da Fonseca e marechal Floriano Peixoto.

Portanto, não foi surpresa ter sido aquela jovem enfermeira a primeira voluntária brasileira a se apresentar, alistando-se para a Segunda Guerra Mundial. Era o dia 18 de abril de 1943, quando o Corpo de Enfermeiras da Reserva do Exército recebeu a primeira das suas 67 integrantes, a que se somaram mais 6 da Aeronáutica.

Logo veio o treinamento na Fortaleza de São João, no HCE e na Policlínica, e o embarque por via aérea para o teatro de operações da Itália, onde as enfermeiras da FEB se destacaram pelo carinho e profissionalismo com que souberam se desempenhar de suas funções, granjeando o respeito e admiração da tropa.

Foram dignas de uma Ana Néri, que partiu em 1865 para a Guerra do Paraguai com autorização especial do Imperador. Setenta e cinco anos depois, estas outras mulheres guerreiras reviveram em todo o esplendor e beleza aquela figura sublime, inspiradas ainda em Joana Angélica, Maria Quitéria, Rosa da Fonseca, Anita Garibaldi, Bárbara Heliodora, Sóror Angélica, e tantas outras heroínas brasileiras.



Seu trabalho multidisciplinar foi riquíssimo, distribuindo-se por diversas vertentes, da iconografia à escultura, da museologia à produção literária, incansável atuação reconhecida pelas inúmeras condecorações que lhe foram outorgadas, alem de filiação a importantes institutos, tendo criado o mais completo acervo iconográfico da FEB, preservando a memória histórica através de 5 mil fotografias.

Nos últimos meses não deixou de trabalhar, lançando uma edição especial da Revista do Exercito Brasileiro sobre a FEB, um livro sobre o papel da mulher brasileira, e sendo agraciada com a Medalha Pedro Ernesto no Palácio Tiradentes.

Possuía mais de 40 medalhas nacionais e estrangeiras, tendo sido a primeira mulher a ingressar no IGHMB, na categoria de socia-titular, no ano do cinquentario daquela instituição. Ocupava desde 2007 a Cadeira Especial de Historiadora Militar Terrestre Brasileira, como primeira mulher a ocupar cadeira na AHIMTB (Academia de Historia Militar Terrestre do Brasil).

Em Maceió, criou o Museu Militar da Segunda Guerra Mundial, com peças históricas de elevado valor, como aquelas recuperadas do Itapagé, torpedeado na costa de Maceió. Os verdes mares alagoanos foram o túmulo daqueles brasileiros, bravos tripulantes e passageiros inocentes, vitimas da sanha nazista.

Outra faceta não menos destacada era seu trabalho como escultora de bustos de militares famosos. Do Marechal Mascarenhas de Moraes, o grande comandante da FEB, foram 40 esculturas. A estatueta representando uma enfermeira em continência é o prêmio oferecido às primeiras colocadas da Escola de Administração do Exército em Salvador, que vem a ser o seu auto-retrato.

Custa a crer que tenha nos deixado, mas o fez com a sensação de missão cumprida, como atestam as muitas medalhas merecidamente conquistadas que repousam sobre o seu peito. A mulher de fibra se foi, mas o exemplo frutificará, do trabalho ingente, da dedicação aos ideais, da preservação e divulgação da memória da FEB. A melhor homenagem que lhe poderemos prestar será manter desfraldada a bandeira a qual dedicou toda a sua rica existência. Que a sua alma se incorpore à corrente da vida eterna.

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Israel Blajberg é sócio do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e da Academia de História Militar Terrestre do Brasil

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